Beijos, Paula :*
Como me tornei tão incapacitante quanto a Esclerose Múltipla
Já tem muito tempo que quero escrever a respeito, mas sempre me sentia desencorajada a escrever porque acho meus textos horríveis. Fiquei meses a fio com cada palavra do que vou digitar agora dentro de mim e só resolvi, finalmente, escrever agora.
Quando comecei a namorar o Julio, eu não sabia muito sobre Esclerose Múltipla (EM) e quem me explicava me dava uma lista de coisas que ele não podia fazer por ter EM. Com o tempo, fui adotando um comportamento completamente impositor sobre o Julio e mal conseguia notar a frustração dele todas as vezes que eu o interrompia durante uma atividade e fazia no lugar dele. Eu "sempre sabia" o que ele aguentava ou não, o que ele queria ou não, quanto ele andaria, correria, faria, viveria...
Parece absurdo uma pessoa ser assim tão controladora e é mesmo um absurdo! O problema é que quando se tem "a desculpa do cuidado" ou o "poder de cuidador" qualquer coisa é aceitável, aquilo de "é pro teu bem" faz com que as pessoas fiquem cegas. Depois de meses sendo cegamente incapacitante, ouvi do Julio o que mudou completamente a minha vida como acompanhante.
Estávamos cheios de coisas pra fazer e como eram muitas tarefas para um só dia disse ao Julio que era melhor eu fazer sozinha, porque ele ficaria muito cansado. Nessa hora ele explodiu e soltou uma pergunta bem simples: "Já parou pra pensar se esse esforço me faz bem?", foi então que eu pensei em todas as vezes que eu fazia as coisas por ele. Até aquele momento eu achava que Julio tinha inveja de mim, mas não sabia o porquê, depois do que ele me perguntou, eu entendi que não era inveja, era tristeza por eu ficar jogando na cara dele a satisfação de completar uma tarefa que ele queria fazer, que ele se sentia capaz de completar com tanto êxito quanto eu.
Me perguntei pela primeira vez: "se eu estivesse no lugar do Julio eu ia querer essa Paula como acompanhante?". Analisei os meses que já tinham se passado e percebi que ele não era feliz com a vida que tinha porque ele não vivia a vida dele, ele vivia uma vida limitada criada por quem o cercava. Cheguei à conclusão de que eu não ia me querer como acompanhante. Foi então que aprendi que o principal do cuidado a uma pessoa com Esclerose Múltipla é respeitá-la.
Entender que os impulsos elétricos passam em ritmos diferentes, que nem sempre a EM é incapacitante, que a disposição de hoje não é a mesma de ontem, que cada pessoa com EM conhece seu corpo e seus limites, compreender essas coisas é muito mais do que ter informação, é entregar as chaves de uma vida um pouco mais livre para quem tem EM. Eu sou feliz por ter me libertado, entregado as chaves e deixado Julio menos limitado...
Enfim, texto está ficando grande, ficamos por aqui e até o próximo texto...
Beijos :*
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