O objetivo dessa "carta" aberta não é para expor qualquer pessoa a uma situação desagradável, mas de fazer com que outras mães iguais à minha parem pra pensar se estão ouvindo seus filhos ou se estão meramente ditando as ordens, restando ao filho a "oportunidade" de aceitar e se calar.
Mãe, a senhora me ensinou a ter uma alimentação saudável, a amar a natureza e algumas outras coisas boas que agora eu não lembro. A senhora, entretanto, nunca me ensinou a morar sozinho ou viver sozinho, sempre me preparou acreditando que tu ficarias sempre morando comigo, agindo como se eu precisasse mesmo seguir todas as coisas que falas porque tens como verdade absoluta. Ainda me tratas como o teu bebê. Como nunca me preparastes pra vida, nunca me preparastes pra ser homem de verdade. Agora eu começo a saber o que é isso, o que é ser o chefe da família e como "vi que é bom" (como diria algum escrivão sobre deus), começo a ter experiências próprias pra poder contar aos meus filhos.
Saiba, mãe, que já sou crescido o suficiente pra notar o que há de errado comigo, o que não me faz bem, o que não é bom. Entenda que a minha casa é outra.
Entenda outra coisa, mãe: existem sintomas e sinais. Os sinais são as “coisas" visíveis de uma doença (o andar, por exemplo), os sintomas são os não visíveis a olho nu (a febre ninguém vê, simplesmente sente, por exemplo). Ou seja, a senhora não pode dizer que eu melhorei com determinado tratamento só porque tu querias isso, correndo o risco de cair no viés da disponibilidade. Apesar de aceitar, eu nunca quis, nunca melhorei, nunca me senti confortável, nunca me adaptei aos tratamentos indicados por ti. Os sintomas estão em mim. Pare de falar como se soubesses com toda a certeza as coisas que sinto, afinal o que sinto mesmo conto pra Dra Nise e pra Paula, elas sim podem falar com certeza o que sinto.
Se se preocupas tanto assim comigo, não interfira no meu tratamento. Saiba que o portador de Esclerose Múltipla é capaz de participar na decisão do tratamento*, sabes que sempre fui cético e por isso confio na ciência. Se o meu tratamento era feito com injeções, a senhora não podia parar porque "dói em ti", devias continuar o tratamento porque sem remédio é bem pior pra MIM (e essa piora sim deveria doer em ti).
Saiba também, mãe, que eu tomei a vitamina D até fevereiro, só então vi que não estava dando nenhum resultado aparente e os níveis de cálcio no meu sangue estavam quase na quantidade máxima permitida. Se a senhora se importasse um pouco mais comigo teria me ouvido um pouquinho quando eu estava passando mal.
Pois é, mãe, em dezembro passei muitíssimo mal, não tinha nenhum medicamento além da vitamina D em casa. Liguei pra ti incontáveis vezes e tu não me atendias. Eu morreria se a Paula não tivesse cuidado de mim. Eu fiquei muito fraco e nem conseguiria andar sem a ajuda dela, ela poderia perfeitamente ter ido embora e me deixado morrer (coisa que, segundo a senhora, ela queria muito fazer), mas ao invés de me abandonar, ficou comigo, escorregando nos litros de urina minha espalhada pelo chão, caindo junto comigo, dormindo na cama igualmente ensopada e fez o que estava ao alcance dela pra que eu ficasse melhor pra que eu conseguisse andar até o Shopping Manauara e entrasse em contato com minha médica.
Então, mãe, por favor, não me odeie, mas procure me ouvir e me entender. Eu não preciso de mais brigas, eu preciso de mais amor. Inclusive, receber carinho é, para mim, o melhor remédio.
Abraços,
de um filho que busca compreensão.
PS: me perdoem por desabafar.
*quando existem opções.
*quando existem opções.